terça-feira, 3 de junho de 2008

Ser feliz, Génio, as três vezes

Foi a Isabel que me enviou agorinha mesmo este texto da autoria de João Pereira Coutinho.


"Não tenho filhos e tremo só de pensar. Os exemplos que vejo em volta não aconselham temeridades. Hordas de amigos constituem as respectivas proles e, apesar da benesse, não levam vidas descansadas. Pelo contrário: estão invariavelmente mergulhados numa angústia e numa ansiedade de contornos particularmente patológicos. Percebo porquê. Há cem ou duzentos anos, a vida dependia do berço, da posição social e da fortuna familiar. Hoje, não. A criança nasce, não numa família mas numa pista de atletismo, com as barreiras da praxe: jardim-escola aos três, natação aos quatro, lições de piano aos cinco, escola aos seis, e um exército de professores, explicadores, educadores e psicólogos, como se a criança fosse um potro de competição. Eis a ideologia criminosa que se instalou definitivamente nas sociedades modernas: a vida não é para ser vivida - mas construída com sucessos pessoais e profissionais, uns atrás dos outros, em progressão geométrica para o infinito. É preciso o emprego de sonho, a casa de sonho, o maridinho de sonho, os amigos de sonho, as férias de sonho, os restaurantes de sonho. Não admira que, até 2020, um terço da população mundial esteja a mamar forte no Prozac. É a velha história da cenoura e do burro: quanto mais temos, mais queremos. Quanto mais queremos, mais desesperamos. A meritocracia gera uma insatisfação insaciável que acabará por arrasar o mais leve traço de humanidade. O que não deixa de ser uma lástima. Se as pessoas voltassem a ler os clássicos, sobretudo Montaigne, saberiam que o fim último da vida não é a excelência, mas sim a felicidade!”


Não concordo com tudo. Primeira observação: o "antes", em que tudo dependia do ponto de partida, alimentou uma estratificação social absolutamente injusta e preconceituosa; "quando a vida dependia do berço, da posição social e da fortuna familiar" não representa um tempo ideal, longe disso. Assim, apesar de a "meritocracia" poder gerar "uma insatisfação insaciável", sempre será melhor do que a alternativa anterior. O percurso marcará a diferença.
Segunda observação: não há pau sem dois bicos. Tenho ouvido conversas de mãezinhas sobre as geniais faculdades de seus filhos, sobre as expectativas em que se auto-projectam e revivem, que me deixam muitas dúvidas. E conheço alguns casos em que a pressão sobre os miúdos foi tanta que deu muito mau resultado. A excelência, como muitos pais se esquecem, resulta de um conjunto vasto de capacidades, onde merece lugar de destaque o saber tomar opções, o respeito, a lucidez, o saber viver com os erros e as imperfeições.
São apenas reflexões que me ocorrem assim de repente. É óbvio que esta conversa não está esgotada.

8 comentários:

Glaukwpis disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Glaukwpis disse...

Não sou pai, pelo menos que saiba, mas concordo com algumas coisas. Contudo, penso que sou demasiado egocêntrico para me querer preocupar com a educação, de uma única criança, cobrindo-a de mimo e de tarefas socio-educacionais estipulados por mim e por um meio. Prefiro deixar essa demanda aos mais dotados de bom senso e garra. Não que eu não me sinta capaz. Prefiro corrigir do que ensinar. Dar pequenos retoques do que estruturar de base.
Ainda não me sinto capaz, nem possuo estômago.
O texto e comentário são deliciosos*

Anónimo disse...

Já me disseste que gostavas de ser pai, Glau. E, sabes, nunca nos acharemos suficientemente capazes. A responsabilidade é assustadora.

Falas em corrigir? Credo...

Glaukwpis disse...

Sim, mas entre o "gostar" e o "ser capaz" vai uma grande distância, não?
Corrigir, no sentido de ensinar pequenas coisas ou actos, se é que me faço entender. Por exemplo, contigo, não te sentes realizada quando ensinas ou fazes desenvolver algo nos teus pequenos, mesmo que corrigindo algumas coisas que não te parecem bem? É algo acessório, não obrigatório. Aí está o corrigir.
Já os pais possuem uma missão superior. Algo de raíz.
Bolas, maldita postagem, já me fez pensar nas minhas peseudo-não-qualidades-paterna.
Um beijo, não escrevo mais.

vague disse...

Este testo está mto interessante, revejo-me me mtas ideias.
Que é feito de ti, querida, qdo vens cá?
abraço!*

vague disse...

'testo'??

texto!

Olinda disse...

A felicidade não será, bem visto, o grau de excelência de cada um em cada coisa?. :-)

Alex disse...

Ando irritada, ou perplexa, ou desgostosa e sei lá mais o quê com as coisas que o meu filho, da "classe dos 5 anos" às vezes trás da escola dentro da cabeça. E com as coisas que vejo e oiço das santas bocas das educadoras e de algumas mães. O pior de tudo é que não creio que mudar a escola resolva, sinceramente acho que até pode piorar.
Eu só quero que ele seja feliz e boa pessoa (espero que isto seja, ainda, compativel). Horroriza-me a ideia do total mergulho no trabalho a bem do sucesso. Então e a VIDA?