Foi a Isabel que me enviou agorinha mesmo este texto da autoria de João Pereira Coutinho.
"Não tenho filhos e tremo só de pensar. Os exemplos que vejo em volta não aconselham temeridades. Hordas de amigos constituem as respectivas proles e, apesar da benesse, não levam vidas descansadas. Pelo contrário: estão invariavelmente mergulhados numa angústia e numa ansiedade de contornos particularmente patológicos. Percebo porquê. Há cem ou duzentos anos, a vida dependia do berço, da posição social e da fortuna familiar. Hoje, não. A criança nasce, não numa família mas numa pista de atletismo, com as barreiras da praxe: jardim-escola aos três, natação aos quatro, lições de piano aos cinco, escola aos seis, e um exército de professores, explicadores, educadores e psicólogos, como se a criança fosse um potro de competição. Eis a ideologia criminosa que se instalou definitivamente nas sociedades modernas: a vida não é para ser vivida - mas construída com sucessos pessoais e profissionais, uns atrás dos outros, em progressão geométrica para o infinito. É preciso o emprego de sonho, a casa de sonho, o maridinho de sonho, os amigos de sonho, as férias de sonho, os restaurantes de sonho. Não admira que, até 2020, um terço da população mundial esteja a mamar forte no Prozac. É a velha história da cenoura e do burro: quanto mais temos, mais queremos. Quanto mais queremos, mais desesperamos. A meritocracia gera uma insatisfação insaciável que acabará por arrasar o mais leve traço de humanidade. O que não deixa de ser uma lástima. Se as pessoas voltassem a ler os clássicos, sobretudo Montaigne, saberiam que o fim último da vida não é a excelência, mas sim a felicidade!”
Não concordo com tudo. Primeira observação: o "antes", em que tudo dependia do ponto de partida, alimentou uma estratificação social absolutamente injusta e preconceituosa; "quando a vida dependia do berço, da posição social e da fortuna familiar" não representa um tempo ideal, longe disso. Assim, apesar de a "meritocracia" poder gerar "uma insatisfação insaciável", sempre será melhor do que a alternativa anterior. O percurso marcará a diferença.
Segunda observação: não há pau sem dois bicos. Tenho ouvido conversas de mãezinhas sobre as geniais faculdades de seus filhos, sobre as expectativas em que se auto-projectam e revivem, que me deixam muitas dúvidas. E conheço alguns casos em que a pressão sobre os miúdos foi tanta que deu muito mau resultado. A excelência, como muitos pais se esquecem, resulta de um conjunto vasto de capacidades, onde merece lugar de destaque o saber tomar opções, o respeito, a lucidez, o saber viver com os erros e as imperfeições.
São apenas reflexões que me ocorrem assim de repente. É óbvio que esta conversa não está esgotada.
8 comentários:
Não sou pai, pelo menos que saiba, mas concordo com algumas coisas. Contudo, penso que sou demasiado egocêntrico para me querer preocupar com a educação, de uma única criança, cobrindo-a de mimo e de tarefas socio-educacionais estipulados por mim e por um meio. Prefiro deixar essa demanda aos mais dotados de bom senso e garra. Não que eu não me sinta capaz. Prefiro corrigir do que ensinar. Dar pequenos retoques do que estruturar de base.
Ainda não me sinto capaz, nem possuo estômago.
O texto e comentário são deliciosos*
Já me disseste que gostavas de ser pai, Glau. E, sabes, nunca nos acharemos suficientemente capazes. A responsabilidade é assustadora.
Falas em corrigir? Credo...
Sim, mas entre o "gostar" e o "ser capaz" vai uma grande distância, não?
Corrigir, no sentido de ensinar pequenas coisas ou actos, se é que me faço entender. Por exemplo, contigo, não te sentes realizada quando ensinas ou fazes desenvolver algo nos teus pequenos, mesmo que corrigindo algumas coisas que não te parecem bem? É algo acessório, não obrigatório. Aí está o corrigir.
Já os pais possuem uma missão superior. Algo de raíz.
Bolas, maldita postagem, já me fez pensar nas minhas peseudo-não-qualidades-paterna.
Um beijo, não escrevo mais.
Este testo está mto interessante, revejo-me me mtas ideias.
Que é feito de ti, querida, qdo vens cá?
abraço!*
'testo'??
texto!
A felicidade não será, bem visto, o grau de excelência de cada um em cada coisa?. :-)
Ando irritada, ou perplexa, ou desgostosa e sei lá mais o quê com as coisas que o meu filho, da "classe dos 5 anos" às vezes trás da escola dentro da cabeça. E com as coisas que vejo e oiço das santas bocas das educadoras e de algumas mães. O pior de tudo é que não creio que mudar a escola resolva, sinceramente acho que até pode piorar.
Eu só quero que ele seja feliz e boa pessoa (espero que isto seja, ainda, compativel). Horroriza-me a ideia do total mergulho no trabalho a bem do sucesso. Então e a VIDA?
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